A Lanchonete da Tia é diferente.
Quando a vi pela primeira vez, meu primeiro impulso foi de voltar, mas acabei almoçando lá e isso me rendeu uma indigestão de considerações que você poderá compartilhar comigo se tiver estômago forte para continuar lendo.
A Lanchonete da Tia (mudei o nome para preservar os personagens reais) fica na praça de alimentação de um local público de Curitiba. Como é normal nessas praças, existem mesas espalhadas num espaço comunitário. Ao redor desse espaço, ficam as lanchonetes e restaurantes que dividem o condomínio. A Lanchonete da Tia é pouco mais que um quiosque, com um balcão-geladeira na frente e uma cozinha no fundo.
Até aí, nada de mais.
A primeira coisa que percebi é que tinha gente demais lá dentro. Minha aversão por multidões e minha pressa costumeira quase me fizeram desistir da Tia e procurar outro lugar para almoçar. Não queria enfrentar fila, mas... aquilo nem dava para chamar de fila: as pessoas se moviam caoticamente dentro daquele espaço apertado. Pelo menos era o que parecia.
Aproximei-me do balcão e fiquei esperando para ser atendido. Esperança vã. Ninguém se dignou sequer a olhar para mim. O homem que provavelmente deveria atender ao balcão estava muito ocupado fazendo o troco para um, servindo cafezinho para outro. Tudo com muita calma e sem pressa alguma apesar de haver outros clientes, além de mim, esperando para ser atendidos por ele.
Não sei o que eu tinha naquele dia, pois não desisti, embora houvesse várias opções na praça. Resolvi entrar e enfrentar a pequena turba.
Enquanto eu avançava, observava e ouvia as conversas e, quando consegui falar com o homem, eu já sabia que ele era o “seu” Zé.
“E aí, seu Zé, como é o esquema aqui? É por quilo ou por pessoa?”
“É só entrar e se servir!” respondeu ele, com um sorriso simpático e já apontando para uma pilha de pratos que ficava atrás dele.
Peguei prato e talheres. Naquele momento eu ainda nem desconfiava que o seu Zé também é responsável por enxugar a louça.
Ele me apresentou ao “bifê” de saladas: uma porção de panelas e tigelas, cada uma de um tamanho e formato, dispostas sobre uma mesa simples. Em cada uma, um tipo de verdura.
Em seguida, fui procurar os pratos quentes, na cozinha que fica no fundo. Tem uma mesa, onde se preparam comidas, um fogão e uma pia. Naquele lugar, disputavam espaço os clientes, que se serviam diretamente nas panelas, a cozinheira, mexendo nas panelas, preparando omelete, e a lavadora de louça em seu trabalho incessante.
E foi assim que me servi de arroz, feijão, músculo com batatas e couve refogada, enquanto dava espaço para um outro homem que veio entregar uma caixa de ovos e me afastava para que a cozinheira passasse uma colher para a mulher que lavava a louça. Alguma coisa naquele caos já estava me encantando: lembrava a minha casa, acho. O fato é que, apesar do aperto, reinava naquele ambiente uma grande camaradagem. Os que lá trabalhavam eram simples e gentis, os que se serviam aparentemente já se conheciam e já conheciam o ritmo da casa, portanto, não adiantava se estressar.
Prato feito, saí e almocei, já pensando no que havia de tão diferente na Lanchonete da Tia. Depois que terminei, fiquei um bom tempo observando o trabalho na lanchonete. Então, a cozinheira se aproximou e perguntou se eu estava esperando alguma coisa. Realmente, eu havia pedido um ovo frito, enquanto me servia, e ela dissera que o levaria para mim, na mesa. Mas não levou.
“Estou esperando o ovo frito, lembra?”
Ele botou a mão na cabeça, com uma expressão de espanto:
“Ai, o ovo!! Eu esqueci! Me desculpe! Se ainda quiser, vou fazer agora mesmo.”
Em outras circunstâncias, eu estaria bravo com o esquecimento dela, mas, ali na Lanchonete da Tia, isso não parecia nenhum pecado. A simpatia e a espontaneidade com que ela se desculpou também foram decisivas. Eu aceitei o ovo atrasado, sem demonstrar nenhuma irritação. Não estava irritado mesmo. Então, ela reparou no meu prato:
“Ah, mas você já terminou! Hum... eu vou trazer o ovo com arroz, para você não comer puro.”
E aceitei novamente, achando engraçado o jeito dela, preocupada comigo.
Depois de comer o ovo atrasado com arroz-prá-não-comer-puro, fui pagar a conta lá com o seu Zé. Perguntei a ele como fazia para controlar a freguesia, pois naquela confusão seria fácil alguém se servir, almoçar e ir embora sem pagar.
“Isso não acontece. A gente conhece todo mundo.”
Fiquei pensando se eu estava em outro país ou se ele era algum tipo de ingênuo. Não acontece? Afinal, ali não se paga adiantado, como em todas as outras lojas daquela praça. Além disso, na Lanchonete da Tia se come à vontade por um preço fixo (e bem acessível). Será que ele baseia o funcionamento do restaurante em confiança? Confiança? Nos dias de hoje?!
“O senhor aceita cartão?”
Ele apenas sorriu e mostrou o balcão simples. Não, claro que não. Paguei em dinheiro. Ele não tinha troco. Fez mais barato.
Tomei um cafezinho por conta da casa e fui embora pensando no que havia de diferente na Lanchonete da Tia. Aos poucos foi ficando claro: simplicidade. Lá não tem bifê de aço inox, não tem balança eletrônica, não tem senha para buscar pedido, não tem micro-ondas nem micro-computador, não tem cartão de crédito, não tem procedimentos padronizados, não tem gente de uniforme, não tem frases decoradas, não tem estresse e acho que não tem um dia igual ao outro.
Mas lá tem gente simpática e competente, gente despreocupada com a revolução tecnológica, que faz comida que não recende a transistores e bytes. Aliás, a comida é muito boa!
Um comentário:
A Lanchonete é real? Se sim, agora você vai ter que me dizer onde fica. 8)
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